quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Antes que elas cresçam

"Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.




É que as crianças  crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. 



Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular. Entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações, elas crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.


  Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente.
 

 
Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.



Onde e como andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?



Ela está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos sobre as ancas. Essas são as nossas filhas, em pleno cio, lindas potrancas.


 
Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão elas, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros ou, então com a suéter amarrada na cintura. Está quente, a gente diz que vão estragar a suéter, mas não tem jeito, é o emblema da geração.



Pois ali estamos, depois do primeiro e do segundo casamento, com essa barba de jovem executivo ou intelectual em ascensão, as mães, às vezes, já com a primeira plástica e o casamento recomposto. Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E elas crescem meio amestradas, vendo como redigimos nossas teses e nos doutoramos nos nossos erros.



  Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.



Longe já vai o momento em que o primeiro mênstruo foi recebido como um impacto de rosas vermelhas. Não mais as colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, da cultura francesa e inglesa. Saíram do banco de trás e passaram  para o volante de suas próprias vidas. Só nos resta   dizer “bonne route, bonne route”, como naquela canção francesa narrando a emoção do pai quando a filha oferece o primeiro jantar no apartamento dela.


  
Deveríamos ter ido mais  vezes à cama delas ao anoitecer para ouvir  sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de colagens, posteres e agendas coloridas de pilô.



Não, não as levamos suficientemente ao maldito “drive-in”, ao Tablado para ver “Pluft”, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.


  
Elas cresceram sem que esgotássemos nelas todo o nosso afeto. 


  
No princípio  subiam a serra ou iam à casa de  praia entre embrulhos, comidas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhas. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de sorvetes e sanduíches infantis. Depois chegou a idade em que subir para a casa de campo  com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma aqui na praia e os primeiros namorados. Esse exílio  dos pais, esse divórcio dos filhos, vai durar sete anos bíblicos. Agora é hora de os pais na montanha  terem a solidão que queriam, mas, de repente, exalarem contagiosa saudade daquelas pestes.


  O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos.


O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso, os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.


 
Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais...

...antes que elas cresçam."



 

Texto de Affonso Romano de Sant'Anna

11 comentários:

  1. Esse texto emociona sempre! Lindíssimo! A "manteiga derretida" aqui, já se emocionou,rsrsr...beijos,chica

    ResponderExcluir
  2. Sabe que eu já pensei nisso? Pensei em ter filhos e aí me veio a mente que eles vão crescer... E aí acabou o meu controle, não se aguentaria isso. E se eu não souber educar? Se não for uma boa mãe??


    Texto lindo! Fotos lindas!

    ResponderExcluir
  3. O texto combinou muito bem com as fotos...rsrsrs...

    ResponderExcluir
  4. Angela: dá sauadde mesmo, ela tá com 8 e eu fico com uma saudade das mamadas, das chupetas...

    Chica: eu tb fiquei com os olhos cheio d'agua procurando fotos dela e relendo o texto...

    Nara: eu também pensava assim. Mas quando ela veio, esqueci de tudo e pus a mão na massa. A gente aprende com o dia a dia hehehe

    Desabafando: fiz de madrugada, com os olhos cehio de sono. Mas gostei do efeito final.

    Beijo

    =)

    ResponderExcluir
  5. Oi Ana,

    Vindo aqui para agradecer o seu comentário lá no Reino Lúdico. rss.. como também é meu costume, já o respondi.

    Quanto a seu bebê.... ele é ainda um bebê, Ana.. rss.. ainda está cedo pra você sentir-se órfão... os meus já estão grandinhos e eu tenho que lidar com o fato de que têm seus mundinhos e que eu não faço mais parte deles. rsss... o que importa é eles felize, sempre.

    Beijinho.

    Ivan.

    O seu blog nao permitiu eu comentar com o perfil do wordpress, entao assino com o perfil do meu outro blog.

    ResponderExcluir
  6. Lindo e emocionante post.

    Linda a sua filha. Parabéns e felicidades!!!

    Incontáveis abraços.

    ResponderExcluir
  7. Tá reboca, piripicada um senhor texto, é isso mesmo com certeza!

    Excelente postagem!

    bjs
    O Sibarita

    ResponderExcluir
  8. Maravilhoso trabalho: texto e imagens. Para além disso a garota é linda, linda!!!

    Mas... ficar orfã dos filhos é que não me agrada nada. Podem não depender mais de nós,mas serão sempre os nossos meninos.

    Um beijo

    ResponderExcluir
  9. Belas fotos e tua filha é linda!

    Que continue esse processo de amor incondicional !

    Um beijo

    ResponderExcluir
  10. Ai, ai, Ana, que saudade me deu. Por mais que tentei está presente já prevendo a passagem do tempo, e o primeiro pediatra sempre alertava que logo logo estaria crescida, sempre acho que fiz pouco, que foi pouco o tempo.....e quando vi já estava crescida.

    Lindo texto e com as suas imagens ficou perfeito.

    Sua filha parece muito com você, são lindas.

    beijos

    ResponderExcluir

Deixe suas palavras aqui... (mas por favor, sem ctrl c ctrl v :D)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Antes que elas cresçam

"Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.




É que as crianças  crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. 



Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular. Entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações, elas crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.


  Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente.
 

 
Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.



Onde e como andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?



Ela está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos sobre as ancas. Essas são as nossas filhas, em pleno cio, lindas potrancas.


 
Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão elas, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros ou, então com a suéter amarrada na cintura. Está quente, a gente diz que vão estragar a suéter, mas não tem jeito, é o emblema da geração.



Pois ali estamos, depois do primeiro e do segundo casamento, com essa barba de jovem executivo ou intelectual em ascensão, as mães, às vezes, já com a primeira plástica e o casamento recomposto. Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E elas crescem meio amestradas, vendo como redigimos nossas teses e nos doutoramos nos nossos erros.



  Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.



Longe já vai o momento em que o primeiro mênstruo foi recebido como um impacto de rosas vermelhas. Não mais as colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, da cultura francesa e inglesa. Saíram do banco de trás e passaram  para o volante de suas próprias vidas. Só nos resta   dizer “bonne route, bonne route”, como naquela canção francesa narrando a emoção do pai quando a filha oferece o primeiro jantar no apartamento dela.


  
Deveríamos ter ido mais  vezes à cama delas ao anoitecer para ouvir  sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de colagens, posteres e agendas coloridas de pilô.



Não, não as levamos suficientemente ao maldito “drive-in”, ao Tablado para ver “Pluft”, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.


  
Elas cresceram sem que esgotássemos nelas todo o nosso afeto. 


  
No princípio  subiam a serra ou iam à casa de  praia entre embrulhos, comidas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhas. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de sorvetes e sanduíches infantis. Depois chegou a idade em que subir para a casa de campo  com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma aqui na praia e os primeiros namorados. Esse exílio  dos pais, esse divórcio dos filhos, vai durar sete anos bíblicos. Agora é hora de os pais na montanha  terem a solidão que queriam, mas, de repente, exalarem contagiosa saudade daquelas pestes.


  O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos.


O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso, os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.


 
Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais...

...antes que elas cresçam."



 

Texto de Affonso Romano de Sant'Anna

11 comentários:

  1. Esse texto emociona sempre! Lindíssimo! A "manteiga derretida" aqui, já se emocionou,rsrsr...beijos,chica

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  2. Sabe que eu já pensei nisso? Pensei em ter filhos e aí me veio a mente que eles vão crescer... E aí acabou o meu controle, não se aguentaria isso. E se eu não souber educar? Se não for uma boa mãe??


    Texto lindo! Fotos lindas!

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  3. O texto combinou muito bem com as fotos...rsrsrs...

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  4. Angela: dá sauadde mesmo, ela tá com 8 e eu fico com uma saudade das mamadas, das chupetas...

    Chica: eu tb fiquei com os olhos cheio d'agua procurando fotos dela e relendo o texto...

    Nara: eu também pensava assim. Mas quando ela veio, esqueci de tudo e pus a mão na massa. A gente aprende com o dia a dia hehehe

    Desabafando: fiz de madrugada, com os olhos cehio de sono. Mas gostei do efeito final.

    Beijo

    =)

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  5. Oi Ana,

    Vindo aqui para agradecer o seu comentário lá no Reino Lúdico. rss.. como também é meu costume, já o respondi.

    Quanto a seu bebê.... ele é ainda um bebê, Ana.. rss.. ainda está cedo pra você sentir-se órfão... os meus já estão grandinhos e eu tenho que lidar com o fato de que têm seus mundinhos e que eu não faço mais parte deles. rsss... o que importa é eles felize, sempre.

    Beijinho.

    Ivan.

    O seu blog nao permitiu eu comentar com o perfil do wordpress, entao assino com o perfil do meu outro blog.

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  6. Lindo e emocionante post.

    Linda a sua filha. Parabéns e felicidades!!!

    Incontáveis abraços.

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  7. Tá reboca, piripicada um senhor texto, é isso mesmo com certeza!

    Excelente postagem!

    bjs
    O Sibarita

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  8. Maravilhoso trabalho: texto e imagens. Para além disso a garota é linda, linda!!!

    Mas... ficar orfã dos filhos é que não me agrada nada. Podem não depender mais de nós,mas serão sempre os nossos meninos.

    Um beijo

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  9. Belas fotos e tua filha é linda!

    Que continue esse processo de amor incondicional !

    Um beijo

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  10. Ai, ai, Ana, que saudade me deu. Por mais que tentei está presente já prevendo a passagem do tempo, e o primeiro pediatra sempre alertava que logo logo estaria crescida, sempre acho que fiz pouco, que foi pouco o tempo.....e quando vi já estava crescida.

    Lindo texto e com as suas imagens ficou perfeito.

    Sua filha parece muito com você, são lindas.

    beijos

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