Testamento

Quando eu morrer, oxalá....

(não franza o cenho, está decidido

É ato único e conciso:

Ela virá a todos buscar)

... você não chore.

Encontrarei enfim a paz

Pela qual desdobrei-me em anseio

Pela qual esmoreci e não veio

E ao Final a Sombra me traz.

Meu corpo ofereço à Ciência

Todos os órgãos, anexos, amplexos

Tudo que for necessário, de ajuda

A quem angaria e não tem:

Agora só quero fazer

Pela última vez, um último bem

Aos diletos amigos, perpetuo

Nossas conversas e gargalhadas

Abraços, choros, piadas

Filmes, teatros, histórias

Toda sorte de memórias

Que se puderem lembrar:

Desejo a todos Sorte Infinita

Que desça sobre eles a Mão Bendita

A prover e abençoar.

Digam a meu pai que muito o amo

E que não queria ir agora

Sofre mais quem perde filho

E o desespero sei que aflora

Digam que encontrei a mãe:

Quem sabe não se consola.

Aos inimigos ( poucos, espero)

Deixo um pedido, e nenhum mal:

Peço o encargo da presença

De todos no meu funeral

Para que vejam e sintam

Que não sou de todo má

E vejam meu outro lado com  olhos

De quem lá esteja a me lamentar.

Ao Amor, umas palavras:

Queria tanto que fosses meu

Amei-te mais que a medida

Amei-te com despropósito

De quem não calcula a ferida

E, agora que desço à terra,

Fria como nunca fui a ti

Que descubras, à madrugada,

A dor que aqui vivi.

Deixo nossas lembranças

Nossa História, meu coração

Perdoe meus desenganos

E as ranhuras de nossa união.

Largo ao Vento, esse tirano

Um casamento desfeito

O chôro no enterro da mãe

Os filhos que não conheci

Essas coisas sem poesia

Que merecem lápide fria

E o esquecimento da dor.

Aos homens de pouca fé

Aos de espírito triste, sem razão

Ofereço esta deixa sentida:

Que tornem a amar a Vida

Desdenhando a Solidão.

Deixo meu terço, meu rosário

Minha Bíblia, meu missário

E a luz fraca do campanário

Onde costumava os joelhos dobrar:

Deixo a todos minhas preces

Como quem a Alma oferece:

É tudo que posso rogar.


PS: ...em construção...

Maris  , essa moça talentosíssima, passou-me a tarefa de escrever meu testamento, assim como outros amigos da blogosfera.

A quem quiser seguir a feliz ideia, estejam a vontade!

Maris, obrigada! Foi uma honra!

Beijo :)